segunda-feira, 30 de junho de 2008


"Pois ele não sentiu a minha falta!"
Afinal, são tantos patos obesos aqui...ainda bem que ele não sentiu a minha falta.
Só agora vejo como o cheiro daqui é insuportável! E como todos parecem não falar sobre nada! Ou falam? Isso não importa mais! Ainda estou pesado demais para andar, mas rastejo nesta lama fétida...


Estou faminto! Mas não vou mais comer daquela gororoba amanteigada.
Não comerei, e não mais farei parte disto que eu nem sei o que é!
Afinal, porque todos estes patos ficam aqui, em cubículos sendo alimentados por humanos?
O que estarão planejando afinal? Há um plano por detrás disto, ou eles simplesmente odeiam os patos?
Minha barriga ronca...estômago vazio, fígado cheio! Que meu fígado livre-se logo de toda esta gordura acumulada para que eu possa finalmente caminhar até a saída.

Há um sentimento aqui, que eu nunca senti antes...nem quando era filhote, nem depois de entrar neste buraco! Quando filhote, corria livre pelo campo e nem sabia que aquilo poderia ser felicidade, pois nem pensava nisso. Era feliz? Fui feliz? Quero ser feliz?
O que eu quero é sair daqui!
É esta a novidade? É este o meu desejo?

Diziam-nos que os patos morriam...mas eles, na verdade, vinham parar aqui para morrer! E, uma vez aqui, aceitavam a sua morte, seguindo os ensinamentos do pato Fernando. Seguindo os ensinamentos, não o exemplo! Afinal, este pato Fernando existiu de fato?

Que sentimento é este? Que só é possível de se sentir quando numa situação dessas? Antes, quando ainda fazia parte dos que comem, também queria fugir, afinal todos querem fugir. Mas agora é diferente...a possibilidade de fuga está acenando! E nela eu vejo o pato Fernando...será que ele existe? Há agora uma possibilidade de ser um pato de verdade?


Mas antes de tudo, espero que meu fígado responda!

quarta-feira, 25 de junho de 2008


Pois então estou cheio...tão cheio que não posso mais me mover. Quack! Um pato gordo...antes meu fígado estivesse inchado de tanto eu beber. Talvez, quem sabe, na loucura, não conseguisse entender, mesmo que momentaneamente, o que se passa por aqui.
Há lendas de uma época em que os patos desviavam de flechas no inverno.
Como posso eu desviar de flechas se estou tão cheio que não posso nem mover uma pata?
Pata esta com espinho, aliás...
Alguém sabe onde fica o banheiro? Se eu pudesse andar até lá...
Talvez eu possa me arrastar...hora do jantar.
Errrr....mmmmm....grrrrrr...Ahhhhhh...esse cano maldito...desce pelo meu esôfago...não tenho chances nem de vomitar!
Ratos...comem o que caiu no chão e aproveitam para roer minhas patas!

Há saída? Minhas patas doem, estou pesado, mas sei que tenho energia...se enfrentar a dor, consigo me arrastar até encontrar um refúgio para me esvaziar...depois voarei para bem longe, como na lenda do pato Fernando. A hora é essa...estou caído no chão, me arrastando como um verme...o espinho entra mais ainda na minha carne e meus músculos parecem sucumbir à dor...
Quem me vê não fala nada, aqui é comum morrer ou enlouquecer de dor...mas todos morrem ou enlouquecem calados...também permaneço calado para não fazer barulho.

Não sei o quão longe consegui chegar...mas aqui mesmo irei me esvaziar! Aqui, neste lugar, me fingindo de morto...
Lá vem o homem, ele quer me alimentar...espero estar suficientemente escuro para que ele não possa me encontrar.

terça-feira, 24 de junho de 2008


RAÍZES PARA FORA, ASAS PARA DENTRO!

Novamente, após uma possibilidade de esvaziamento...caímos de cara no chão!
Pois então, não houve possibilidade nehuma...
Pois então, não chegamos nem a cair...
eu e vc somos os mesmos..continuamos os mesmos...
Com nossas xícaras cheias de suspeitas falsas, levantadas (pasmem!) por nós mesmos...por nós mesmos? POR NÓS MESMOS!!!!
Cheios de argumentação, fechados, violentos, agressivos.
Estúpidos espelhos empoeirados...adultos.

sábado, 21 de junho de 2008


Um professor universitário fez uma longa viagem para visitar um mestre Zen. Ao chegar à cabana do mestre, este percebeu como o professor estava cansado de tanto andar e o mestre pediu que este descansasse enquanto ele preparava um chá. Porém a rápida mente do professor logo começou a trabalhar suas dúvidas, fazendo com que este tagarelasse sem parar. Não só a água do chá fervia naquela ocasião.
Enquanto o professor falava sem parar, o mestre começou a servir o chá, continuando a encher a xícara do professor até que esta estivesse completamente cheia. Mesmo com a xícara já cheia, o mestre continuou a enchê-la.
"Pare! O que você está fazendo? Não cabe mais chá nesta xícara! Você é louco? O que está fazendo?", esbravejou o professor.
"O mesmo acontece com você...Você está alerta para o fato da xícara estar cheia, nada mais podendo conter, mas por que não está assim tão consciente a respeito de você mesmo? Você está transbordando com respeito a opiniões, filosofias, doutrinas, escrituras. Já sabe demais! Nada posso lhe dar...Você viajou em vão! Antes de vir até mim, devia ter esvaziado a sua xícara. Então eu poderia ter despejado algo dentro dela."

Neste momento, o professor percebeu que foi ver o mestre por motivos errados e lançou a xícara contra a parede. Ele percebeu que uma xícara vazia apenas não bastava. Ele a encheria de novo, devido ao seu pavor pelo vazio.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Para quem quer saber


Dúvidas técnicas geram conhecimento técnico.
Por vários motivos, nosso tempo confia neste conhecimento.
E todas estas dúvidas intelectuais só servem para encher...e elas te enchem até que não sobre mais espaço!
E mesmo não sobrando espaço, mesmo estando cheio até as bordas...este conhecimento extravasa e ultrapassa os seus "limites".
Mostre-me uma árvore e um riacho e vocês verão o quanto eu poderia falar sobre eles.

Mas todo este conhecimento não modificam em nada, nem a árvore nem o riacho...

"no começo ele era opaco...depois passou às outras cores...até voltar a ser opaco de novo !"
Lulu

quarta-feira, 18 de junho de 2008

O Silêncio II


O homem sempre esteve cheio...cheio até as bordas!
Cheio de ensinamentos de mestre, cheio de teorias, cheio de tradições, de livros, de Deus...
Tão cheio que não sobra espaço para a simples contemplação...reflexão...
Silêncio!
Tudo o que lhe dizem, afirmando ou negando, não é verdade.

Não há estrada que leve a palavra de uma pessoa que compreendeu a Verdade até você.

Apenas um silêncio e um apontamento.

domingo, 15 de junho de 2008

Contra o acúmulo


Tudo o que é meu e não tem uso é como não fosse meu. E se, por ventura, eu considero parte de mim algo ao qual eu não consigo por em prática através da ação, isto se torna um peso, um fardo... ouro de tolo. Tudo o que vocês vêem aqui neste blog, tudo o que vocês vêem no círculo, tudo isso pode ser de vocês. Porém nada disso será realmente de vocês enquanto não o tiverem usado.

terça-feira, 10 de junho de 2008

O espírito, o corpo e a roupa


Esboço de uma nova teoria da alma humana, O espelho, de Machado de Assis


"- Vão ouvir coisa pior. Convém dizer-lhes que, desde que ficara só, não olhara uma só vez para o espelho. Não era abstenção deliberada, não tinha motivo; era um impulso inconsciente, um receio de achar-me um e dois, ao mesmo tempo, naquela casa solitária; e se tal explicação é verdadeira, nada prova melhor a contradição humana, porque no fim de oito dias deu-me na veneta de olhar para o espelho com o fim justamente de achar-me dois. Olhei e recuei. O próprio vidro parecia conjurado com o resto do universo; não me estampou a figura nítida e inteira, mas vaga, esfumada, difusa, sombra de sombra. A realidade das leis físicas não permite negar que o espelho reproduziu-me textualmente, com os mesmos contornos e feições; assim devia ter sido. Mas tal não foi a minha sensação. Então tive medo; atribuí o fenômeno à excitação nervosa em que andava; receei ficar mais tempo, e enlouquecer. - Vou-me embora, disse comigo. E levantei o braço com gesto de mau humor, e ao mesmo tempo de decisão, olhando para o vidro; o gesto lá estava, mas disperso, esgaçado, mutilado... Entrei a vestir-me, murmurando comigo, tossindo sem tosse, sacudindo a roupa com estrépito, afligindo-me a frio com os botões, para dizer alguma coisa. De quando em quando, olhava furtivamente para o espelho; a imagem era a mesma difusão de linhas, a mesma decomposição de contornos... Continuei a vestir-me. Subitamente por uma inspiração inexplicável, por um impulso sem cálculo, lembrou-me... Se forem capazes de adivinhar qual foi a minha idéia...
- Diga.
- Estava a olhar para o vidro, com uma persistência de desesperado, contemplando as próprias feições derramadas e inacabadas, uma nuvem de linhas soltas, informes, quando tive o pensamento... Não, não são capazes de adivinhar.
- Mas, diga, diga.
- Lembrou-me vestir a farda de alferes. Vesti-a, aprontei-me de todo; e, como estava defronte do espelho, levantei os olhos, e...não lhes digo nada; o vidro reproduziu então a figura integral; nenhuma linha de menos, nenhum contorno diverso; era eu mesmo, o alferes, que achava, enfim, a alma exterior. Essa alma ausente com a dona do sítio, dispersa e fugida com os escravos, ei-la recolhida no espelho. Imaginai um homem que, pouco a pouco, emerge de um letargo, abre os olhos sem ver, depois começa a ver, distingue as pessoas dos objetos, mas não conhece individualmente uns nem outros; enfim, sabe que este é Fulano, aquele é Sicrano; aqui está uma cadeira, ali um sofá. Tudo volta ao que era antes do sono. Assim foi comigo. Olhava para o espelho, ia de um lado para outro, recuava, gesticulava, sorria e o vidro exprimia tudo. Não era mais um autômato, era um ente animado."

Quanta alma tem uma farda!
Pois então, que ser é esse que ao ser colocado nu, frente a frente aos selvagens, perde qualquer rastro de personalidade?


O Espelho, Primeiras Histórias, João Guimarães Rosa

"— Foi num lavatório de edifício público, por acaso. Eu era moço, comigo contente, vaidoso. Descuidado, avistei... Explico-lhe: dois espelhos — um de parede, o outro de porta lateral, aberta em ângulo propício — faziam jogo. E o que enxerguei, por instante, foi uma figura, perfil humano, desagradável ao derradeiro grau, repulsivo senão hediondo. Deu-me náusea, aquele homem, causava-me ódio e susto, eriçamento, espavor. E era — logo descobri... era eu, mesmo! O senhor acha que eu algum dia ia esquecer essa revelação?
(...)
Mas, com o comum correr quotidiano, a gente se aquieta, esquece-se de muito. O tempo, em longo trecho, é sempre tranqüilo. E pode ser, não menos, que encoberta curiosidade me picasse. Um dia... Desculpe-me, não viso a efeitos de ficcionista, inflectindo de propósito, em agudo, as situações. Simplesmente lhe digo que me olhei num espelho e não me vi. Não vi nada. Só o campo, liso, às vácuas, aberto como o sol, água limpíssima, à dispersão da luz, tapadamente tudo. Eu não tinha formas, rosto? Apalpei-me, em muito. Mas, o invisto. O ficto. O sem evidência física. Eu era — o transparente contemplador?... Tirei-me. Aturdi-me, a ponto de me deixar cair numa poltrona.
Com que, então, durante aqueles meses de repouso, a faculdade, antes buscada, por si em mim se exercitara! Para sempre? Voltei a querer encarar-me. Nada. E, o que tomadamente me estarreceu: eu não via os meus olhos. No brilhante e polido nada, não se me espelhavam nem eles!
Tanto dito que, partindo para uma figura gradualmente simplificada, despojara-me, ao termo, até à total desfigura. E a terrível conclusão: não haveria em mim uma existência central, pessoal, autônoma? Seria eu um... desalmado? Então, o que se me fingia de um suposto eu, não era mais que, sobre a persistência do animal, um pouco de herança, de soltos instintos, energia passional estranha, um entrecruzar-se de influências, e tudo o mais que na impermanência se indefine? Diziam-me isso os raios luminosos e a face vazia do espelho — com rigorosa infidelidade. E, seria assim, com todos? Seríamos não muito mais que as crianças — o espírito do viver não passando de ímpetos espasmódicos, relampejados entre miragens: a esperança e a memória.
(...)
Pois foi que, mais tarde, anos, ao fim de uma ocasião de sofrimentos grandes, de novo me defrontei — não rosto a rosto. O espelho mostrou-me. Ouça. Por um certo tempo, nada enxerguei. Só então, só depois: o tênue começo de um quanto como uma luz, que se nublava, aos poucos tentando-se em débil cintilação, radiância. Seu mínimo ondear comovia-me, ou já estaria contido em minha emoção? Que luzinha, aquela, que de mim se emitia, para deter-se acolá, refletida, surpresa? Se quiser, infira o senhor mesmo. "


Por fim: quem é este que não mais se identifica com seu corpo, que busca desfigurar-se, sumir e para tal põe de lado suas emoções, hábitos, qualidades e características. Quem é este que deixa tudo isso guardado, como uma posse de valor? E que após este duro processo, deixa brotar de si uma pequenina e fecunda luzinha?

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Acaso? Que acaso?


Pois, então: existe o acaso?
Não seria ele um nome, como tantos outros, dado a algo que não compreendemos, reconhecemos ou, então, percebemos?
Ora, se tudo parece ter (e tem) continuidade, como pode existir o acaso?

Não há acaso nem nos dados...não há acaso nestas linhas.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Canto de Kaslu


NEM SEMPRE SERÁ ASSIM


Deitarei mais uma vez ao seu lado
Frágil
Perdido
Sem saber qual é meu sentido
Qual minha dor
Profunda...
Para além das dobras marcas
Dos reflexos diários
Sou triste, e essa busca de felicidade me perturba.
Eu a olho como se fosse uma traição
Um desgosto
Uma falta de carinho com o que ainda há de bom na vida

Deitarei mais uma vez ao seu lado
Mas não será para sempre
Não será sempre assim
Não porque não queira
Não porque, minha vida, não a considere!
Mas a dor, profunda,
É contaminadora do sentido
Tingindo
Colorindo
Manchando
O que há de mais branco
Mais eterno
Mais puro
Mais perene

Deitarei mais uma vez ao seu lado
Mas nem mesmo você, apesar da sua potência, sabe se essa será mais uma ou a última vez...
Pois anseio por liberdade....
E sua liberdade também depende da minha tempestade
Por isso sabemos que nem sempre será assim
Bem deitado a seu lado te amarei sempre como se fosse a última vez!

Caleidoscópio


Fernando Pessoa


Não sei quantas almas tenho

Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo : "Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *

segunda-feira, 2 de junho de 2008

cetro do Poder


Aqui nada está parado...tudo se move, vibra e circula!
E, pra mim, quanto mais rápido, quanto mais intenso for este movimento...melhor.
Porém, não há como negar, existe em tremendo descompasso neste movimento.
Apesar de sermos todos seres mentais...dentro de nós mesmos...cada parte de nosso corpo...parece estar vibrando em uma frequencia diferente da outra...aqui dentro não há só uma música...não há somente uma dança!
E é por isso que carrego comigo este cetro!
Com ele meu corpo vibra em uma só nota...harmonicamente...desveladamente...
Vejam: este cetro é um objeto de poder...com ele eu posso me mover, vibrar e circular, gradativamente, com uma maior velocidade.
A primeira vez que eu o toquei, a terra tremeu e um som agudo penetrou em minha mente, causando terríveis dores de cabeça...depois disso, um imenso frio percorreu todo o meu corpo e eu tremi por vários dias...e por mais que meus músculos batessem...freneticamente...alucinadamente...eu não conseguia obter calor.
Senti uma vontade terrível de jogar este cetro o mais longe possível...mas não consegui...e, após algum tempo, uma onda de calor invadiu o meu corpo e nunca mais senti tanto frio.
Hoje, ele é assim...do jeito que vocês o estão vendo...mas ele mudará a sua forma...ele mudará a sua cor...pois quando eu o adquiri...ele era opaco! E um dia ele será inteiramente vermelho...para depois passar ao azul.
Seguindo, ele se tornará um cetro de matéria invisível...elétrico, magnético!
Até que finalmente ele se desintegrará, tornando-se um cetro atômico...um cetro etérico...um cetro mental. Mas aí, ele não mais será um cetro...

E, sim, eu sou um cetro!