sábado, 19 de julho de 2008

Vertente Vocacional

23 de fevereiro de 1998. Horário Nobre.

"Imagino que você esteja se perguntando por que foi chamado aqui esta noite. Sabe, não estou inteiramente satisfeito com seu desempenho nos últimos tempo. Receio que seu trabalho tenha decaído muito e... bem, estamos pensando seriamente em demitir você. Claro... eu sei que está na empresa faz muito tempo. Quase... deixe ver... quase dez mil anos! Deus do céu! O tempo voa, não? Eu me lembro do dia em que você começou no emprego, balançando nas árvores, ainda jovem e muito nervoso, com um osso na mão peluda... Ainda recordo minhas exatas palavras: "Está vendo aquela pilha de ovos de dinossauro?", indaguei, sorrindo paternalmente. " Pode chupar."



Já se passou muito tempo desde aquela época, não é verdade? E, claro, tem toda razão... até hoje, você não faltou um dia. Muito bem, ó servo bom e fiel*. Por favor, não pense que me esqueci da sua admirável folha de serviços, ou das valiosas contribuições que presou à empresa. O fogo, a roda, a agricultura... uma lista respeitável, meu velho. Realmente muito respeitável. Mas... bem, para ser franco, nós andamos tendo problemas. Não se pode fechar os olhos para isso. Na sua indisposição natural para subir dentro da empresa. Você não quer encarar responsabilidades verdadeiras, nem ser seu próprio chefe. Deus sabe quantas oportunidades já teve.


Várias vezes, nós lhe oferecemos promoções, e você sempre recusou. "Isso é muito pra mim, chefia. Eu conheço meu lugar." Para ser franco, você nunca nem tentou. Sabe... como não progride há muito tempo, isso já começa a afetar seu trabalho... e, devo acrescentar, seu padrão de comportamento também. Os constantes desentendimentos na fábrica não escaparam à minha atenção... nem os surtos de desordem na cantina dos funcionários. Além disso, posso citar... hmmm. Bem, eu não queria trazer isso à tona, mas... sabe, andei ouvindo coisas desagradáveis sobre sua vida pessoal. Não. Nada de nomes. Quem me contou, não importa. Estou sabendo que você não consegue mais se entender com sua esposa... me disseram que os dos brigam muito, que você grita... falaram até de violência. Fui informado que você sempre magoa aquela que ama... aquela que jamais deveria magoar. E seus filhos? São sempre as crianças que sofrem, como você bem sabe. Pobrezinhos! O que fizeram para merecer isso?



O que fizeram para merecer sua truculência, seu desespero, sua covardia e todas as intolerâncias cultivadas com tanta estima!
Situação nada boa, não é? E não adianta culpar a gerência pela queda nos padrões de trabalho... embora eu saiba que ela deixa muito a desejar. Na verdade, sem papas na língua...a gerência é deplorável! Nós tivemos uma sucessão de malversadores, larápios e lunáticos tomando um sem-número de decisões catastróficas. Isso é inegável. Mas quem os elegeu? Você! Você indicou essas pessoas. Você deu a elas o poder para tomarem decisões em seu lugar! Claro que qualquer um está sujeito a se equivocar, mas cometer os mesmos erroas fatais, século após século, parece uma atitude deliberada. Você encorajou esses incompetentes, que transformaram sua vida profissional num inferno. Aceitou suas ordens insensatas sem questionar. Sempre permitiu que enchessem seu espaço de trabalho com máquinas perigosas. Você podia ter detido essa gente. Bastava dizer "Não". Você não teve orgulho próprio. Perdeu o valor que tinha na companhia. No entanto, eu serei generoso. Você terá dois anos para aprimorar seu trabalho. Se, ao fim desse período, não apresentar resultados satisfatórios... será cortado.
Isso é tudo pode voltar ao trabalho. As tarefas normais devem começar tão logo seja possível."

Allan Moore & David Lloyd em "V de Vingança", Tomo 2, capítulo 4.

Um comentário:

Anônimo disse...

*Servo fiel
Referência a um trecho de uma das parábolas atribuídas a Jesus, que se encontra no evangelho de São Mateus, capítulo 25, versículos 14 a 30.